Juliana – Sério!? Porque tu
falhaste no cumprimento deste dever também! Mas isso não é da minha conta, isto
com a Senhora e a sua consciência, isso se a Senhora tiver alguma, porque a
julgar pela sua insensibilidade quando me explorava com os engomados, mesmo
sabendo que eu estava doente e os banhos, todos os dias a Senhora e o Seu
marido tinham que se banhar! Que absurdo! E a negra aqui é que tinha que ficar
subindo e descendo para encher e esvaziar as bacias!
Luísa – Mas o que querias tu? Que
não lhe desse tarefas?
Juliana – Queria que a Senhora
pensasse, que seus luxos e futilidades, tinham um preço! O meu esforço! É
claro, que eu tinha que ter tarefas, mas deveria ter tantas? Achas justo que
pela ninharia que me pagavas tivesses o direito de consumir toda a minha
energia? E tu nem tinhas penas dos meus problemas de saúde, quando te pedia
para ir ao médico dizias impaciente: Vá, mas não demora-te, como se dissesse ou
se cura de uma vez, ou morre! Alguma vez a Senhora pensou que poderia me poupar
a mim e a minha saúde?
Luísa – E tu pensaste nisso
quando começou a me explorar? Tu me colocaste para limpar, varrer, engomar, até
os despejos tinha que fazer!
Juliana – Mas minha senhora, nada
do que te pedi era mais do que tu me mandavas fazer, na verdade, a Senhora não
passou a tomar tantos banhos e nem
querer tantos engomados e nem era tão exigente consigo com eles como era
comigo! Ai de mim se suas roupas e as do seu marido não estivessem
perfeitamente engomadas! Suas queixas só comprovam que estou certa: que o
trabalho na sua casa era demasiado. Tive sim prazer em vê-la passar pelo que
passei em sua casa! Vendo-a sofrer, sua saúde se esvair pagar como eu pela suas
futilidades e pequenos prazeres que não podias abrir mão, porque tinha a
escrava aqui para explorar!
Luísa – que tiveste um enorme
prazer com o meu sofrimento, eu nunca duvidei! Tu sempre tiveste inveja de mim
porque sou bela e tu sempre foste feia e ninguém nunca te quis!
Juliana – E a senhora tão linda,
mas tão burra! Só de por os olhos naquele janota do seu primo, vi que as
intenções Del eram as piores possíveis....
Luísa – Uma cobra com certeza reconhece
outra imediatamente...
Juliana- Pode ser minha Senhora,
mas tinha comigo, se ela for uma mulher decente a de pô-lo para correr este
pulha e ele nunca mais retornará. Mas ele veio um vez, duas, três e a Senhora a
agir como uma adolescente. Tu se achavas tão esperta que conseguia me enganar,
mas eu o tempo todo sabia o que
acontecia. Tu és tão burra, que nem suspeitou quando do nada, fingi gostar de
ti e até adorar se explorada por ti. Deves ter achado que finalmente descobri
qual era o meu lugar! Eu fui deixando a Senhora a vontade sabendo que a minha
grande oportunidade estava por vir!
Luísa – Me roubar e me
chantagear? Esta foi a grande oportunidade da sua vida! Que patético!
Juliana – É patético, mas quem
nasceu embaixo como eu Senhora, não pode se dar ao luxo de ser digno, por isso
vivemos para servir pessoas como tu! Para pessoas como eu, é melhor ser
chantagista que ser escrava!
Luísa – Se achavas tão ruim a
vida como criada, por que não foste fazer outra coisa?
Juliana – Que outra vida poderia
ter? talvez me casar com um rico negociante, ou talvez poderia viver junto a
Senhora e Seu primo no Paraíso! Pessoas como eu não têm, a Senhora teve escolha
e o que escolheu? Jogar tudo o que tinha na lata do lixo e pelo o quê? Por
causa daquele seu primo, que não tinha um gesto, ou frase que não fosse falso,
pelo jeito dele se vestir, falar e se comportar era óbvio quem é tão afetado e
é sincero? Ele nem era um homem! Tanta frescura
nas vestimentas e nos gestos pra mim ao menos fazia dele um afeminado! Tu,
porque és como a maioria das pessoas da tua classe, por não conseguir enxergar
além das aparências caíste de amor por aquele maricas! Trocou um homem de
verdade por aquilo: um monte de frescuras!
Luísa – Chegaste tarde, já me dei
conta do meu erro!
Juliana- Mas entendeste, a razão
de erraste? Entendeste o quanto eras cega? E o porquê desta cegueira?
Luísa – Isto não é da sua conta!
Pare de me infernizar! O que você quer mais de mi? Eu lhe dei minhas roupas,
meus pertences, trabalhei por você! Tu me roubaste as minhas cartas, me
chantageou! Jorge vivia discutindo comigo por causa porque o seu quarto era
quase tão bom quanto o nosso e tu vivias como se tu fosse a patroa e eu a
criada. Vivi um verdadeiro inferno por tua causa.
Juliana – Ora, se não querias me
servir, bastavas seres honesta com o seu marido. Tu não és mais nobre que a
chantagista patética aqui? Foi seu adultério e sua covardia que a transformaram
numa serva. O que eu deveria fazer depois de descobrir as suas safadezas?
Continuar sendo sua escrava a troco de quase nada, aturando seu ódio e seu
desprezo servilmente? Era isso que esperava de mim? Me diga, o que tu farias no
meu lugar?
Luísa – Eu seria fiel a minha
Senhora! Teria pena dela!
Juliana – Como? Se não foste fiel
nem ao seu marido, que era sua obrigação! E por que deveria eu ser fiel a ti?
Eu te odiava e tu a mim! Se tu nunca tiveste pena de mim, porque ter pena de ti?Eu
não tinha pena nenhuma, eu e minha tia ficamos foi rindo das cartas ridículas
principalmente o trecho no qual seu amante dizia: hoje não posso ir, mas
espero-te amanhã às duas, mando-te essa rosinha e peço-te que faças o que
fizeste à outra, trazê-la no seio porque é tão bom quando vens assim, sentir-te
o peitinho perfumado! Ridículo, só uma mulher ridícula como tu para achar isso
romântico, deve algum tipo de doença de família!
Luísa – Por que tu não me deixas
em paz?
Juliana – Se tivesse dado o meu
dinheiro minha Senhora eu teria te deixado em paz!
Luísa – Se tu tivesse ido embora
e esperasse que eu lhe desse o dinheiro ao invés de ficar dentro da minha casa
me torturando tu terias o teu dinheiro, mas tu não conseguiste esperar três
meses calada em silêncio!
Juliana – Eu esperei em silêncio.
Até que Vossa Alteza chegou em casa furiosa porque o homem dela não estava
esperado por ela no tal paraíso e começou a açoitar a negrinha aqui! Foi o
máximo de destrato que eu podia suportar! Depois, minha tia me aconselhou a
ficar na sua casa e explorar o medo que tu tinhas de mim e tirar o melhor
partido que pudesse disso, foi o que eu fiz e não me arrependo, pelo menos o
final da minha vida foi vivido com alguma dignidade! Num quarto de verdade, com
roupas de verdade, comendo do bom e do melhor e sem ser escrava de ninguém!
Luísa – Só te faltaste um homem!
Juliana – A Senhora teve dois
está pior do que eu! Sem falar que terminou seus dias me servindo! Torceste
tanto pela minha morte, deves ter ficado muito feliz com ela, mas não esperava
que o destino estivesse planejando o mesmo para ti! Não adiantou!
Luísa – Eu estou morrendo por sua
causa.
Juliana – Eu também! Mandar
Sebastião vir com um policial me assustar e me obrigar entregar as cartas!
Achou que ia ser feliz e tá morrendo feito um cachorro! Eu pelo menos tive uma
morte rápida! Quais são seus sentimentos em relação a isto? Eu morri
imediatamente, teu homem tá com outra na França e tu sofrendo, sofrendo numa
cama! Rasparam até o seu lindo cabelo! Por que será minha Senhora?! Eu pelo
menos tive um final melhor que vocês traçavam para mim, me jogar na rua por
causa do meu aneurisma e do problema do coração, que morresse num hospital se
tivesse sorte, não era problema de vocês! Não podiam mais me explorar, que
fosse para inferno! Mas morri rápido e passei meus últimos dias como sonhei. Tu
terminaste os seus no inferno e Deus ainda foi cruel contigo, deixou-te
acreditar que ia volta ao céu, mas te atitou de volta para o inferno! Quem será
que deve ser o pior dos três?
Luísa – Esse sofrimento deve ser
a minha chance de ir para o céu! Tu, com certeza, ireis para o inferno!
Juliana – Tu que eras tão boa,
mas tão boa, que permitia que baús fossem mais bem tratados em tua casa que
suas criadas! Baús que não têm sentimentos e nem saúde! Tu que a tua vida
inteira só se preocupastes com futilidades! Tu que traíste o teu marido movida
por fantasias de menina, quando já és faz tem uma mulher! Tu que tiveste de
abandonar o meu corpo como seu fosse um animal sem me velar! O teu destino é o
mesmo que o meu! É por isto que eu estou aqui! Anda! Prepara-te, vim te buscar!
A tua hora chegou!
Luísa – Tu vieste me buscar?!
Juliana – O que esperavas! O
Arcanjo Gabriel? Ou a Virgem Maria!
Anda, vem!
Luísa – Bem, se esse é o meu
destino! Eu não ficar reclamando e resmungando como tu viveste a fazer! Vamos!
Juliana – Não queres saber para
onde?
Luísa – Não! Vamos!
Luísa e Juliana saem.
(continua na
parte 10/10)
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Marcelo Assis
da Silva é Técnico de Finanças e Controle Externo e atua na Secretaria de
Controle Externo de Aquisições Logísticas. Estudou roteiro na Escola de Cinema
Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro e montou e dirigiu o espetáculo “Swing Tântrico” também no
Rio de Janeiro. “O Primo Basílio” é uma adaptação teatral do romance de Eça de
Queiroz.
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