terça-feira, 27 de maio de 2014

O Primo Basílio (parte 9/10) - Peça Teatral de Marcelo ASSIS

Juliana – Sério!? Porque tu falhaste no cumprimento deste dever também! Mas isso não é da minha conta, isto com a Senhora e a sua consciência, isso se a Senhora tiver alguma, porque a julgar pela sua insensibilidade quando me explorava com os engomados, mesmo sabendo que eu estava doente e os banhos, todos os dias a Senhora e o Seu marido tinham que se banhar! Que absurdo! E a negra aqui é que tinha que ficar subindo e descendo para encher e esvaziar as bacias!
Luísa – Mas o que querias tu? Que não lhe desse tarefas?
Juliana – Queria que a Senhora pensasse, que seus luxos e futilidades, tinham um preço! O meu esforço! É claro, que eu tinha que ter tarefas, mas deveria ter tantas? Achas justo que pela ninharia que me pagavas tivesses o direito de consumir toda a minha energia? E tu nem tinhas penas dos meus problemas de saúde, quando te pedia para ir ao médico dizias impaciente: Vá, mas não demora-te, como se dissesse ou se cura de uma vez, ou morre! Alguma vez a Senhora pensou que poderia me poupar a mim e a minha saúde?
Luísa – E tu pensaste nisso quando começou a me explorar? Tu me colocaste para limpar, varrer, engomar, até os despejos tinha que fazer!
Juliana – Mas minha senhora, nada do que te pedi era mais do que tu me mandavas fazer, na verdade, a Senhora não passou a tomar tantos banhos e  nem querer tantos engomados e nem era tão exigente consigo com eles como era comigo! Ai de mim se suas roupas e as do seu marido não estivessem perfeitamente engomadas! Suas queixas só comprovam que estou certa: que o trabalho na sua casa era demasiado. Tive sim prazer em vê-la passar pelo que passei em sua casa! Vendo-a sofrer, sua saúde se esvair pagar como eu pela suas futilidades e pequenos prazeres que não podias abrir mão, porque tinha a escrava aqui para explorar!
Luísa – que tiveste um enorme prazer com o meu sofrimento, eu nunca duvidei! Tu sempre tiveste inveja de mim porque sou bela e tu sempre foste feia e ninguém nunca te quis!
Juliana – E a senhora tão linda, mas tão burra! Só de por os olhos naquele janota do seu primo, vi que as intenções Del eram as piores possíveis....
Luísa – Uma cobra com certeza reconhece outra imediatamente...
Juliana- Pode ser minha Senhora, mas tinha comigo, se ela for uma mulher decente a de pô-lo para correr este pulha e ele nunca mais retornará. Mas ele veio um vez, duas, três e a Senhora a agir como uma adolescente. Tu se achavas tão esperta que conseguia me enganar, mas eu  o tempo todo sabia o que acontecia. Tu és tão burra, que nem suspeitou quando do nada, fingi gostar de ti e até adorar se explorada por ti. Deves ter achado que finalmente descobri qual era o meu lugar! Eu fui deixando a Senhora a vontade sabendo que a minha grande oportunidade estava por vir!
Luísa – Me roubar e me chantagear? Esta foi a grande oportunidade da sua vida! Que patético!
Juliana – É patético, mas quem nasceu embaixo como eu Senhora, não pode se dar ao luxo de ser digno, por isso vivemos para servir pessoas como tu! Para pessoas como eu, é melhor ser chantagista que ser escrava!
Luísa – Se achavas tão ruim a vida como criada, por que não foste fazer outra coisa?
Juliana – Que outra vida poderia ter? talvez me casar com um rico negociante, ou talvez poderia viver junto a Senhora e Seu primo no Paraíso! Pessoas como eu não têm, a Senhora teve escolha e o que escolheu? Jogar tudo o que tinha na lata do lixo e pelo o quê? Por causa daquele seu primo, que não tinha um gesto, ou frase que não fosse falso, pelo jeito dele se vestir, falar e se comportar era óbvio quem é tão afetado e é sincero? Ele nem era um homem! Tanta frescura  nas vestimentas e nos gestos pra mim ao menos fazia dele um afeminado! Tu, porque és como a maioria das pessoas da tua classe, por não conseguir enxergar além das aparências caíste de amor por aquele maricas! Trocou um homem de verdade por aquilo: um monte de frescuras!
Luísa – Chegaste tarde, já me dei conta do meu erro!
Juliana- Mas entendeste, a razão de erraste? Entendeste o quanto eras cega? E o porquê desta cegueira?
Luísa – Isto não é da sua conta! Pare de me infernizar! O que você quer mais de mi? Eu lhe dei minhas roupas, meus pertences, trabalhei por você! Tu me roubaste as minhas cartas, me chantageou! Jorge vivia discutindo comigo por causa porque o seu quarto era quase tão bom quanto o nosso e tu vivias como se tu fosse a patroa e eu a criada. Vivi um verdadeiro inferno por tua causa.
Juliana – Ora, se não querias me servir, bastavas seres honesta com o seu marido. Tu não és mais nobre que a chantagista patética aqui? Foi seu adultério e sua covardia que a transformaram numa serva. O que eu deveria fazer depois de descobrir as suas safadezas? Continuar sendo sua escrava a troco de quase nada, aturando seu ódio e seu desprezo servilmente? Era isso que esperava de mim? Me diga, o que tu farias no meu lugar?
Luísa – Eu seria fiel a minha Senhora! Teria pena dela!
Juliana – Como? Se não foste fiel nem ao seu marido, que era sua obrigação! E por que deveria eu ser fiel a ti? Eu te odiava e tu a mim! Se tu nunca tiveste pena de mim, porque ter pena de ti?Eu não tinha pena nenhuma, eu e minha tia ficamos foi rindo das cartas ridículas principalmente o trecho no qual seu amante dizia: hoje não posso ir, mas espero-te amanhã às duas, mando-te essa rosinha e peço-te que faças o que fizeste à outra, trazê-la no seio porque é tão bom quando vens assim, sentir-te o peitinho perfumado! Ridículo, só uma mulher ridícula como tu para achar isso romântico, deve algum tipo de doença de família!
Luísa – Por que tu não me deixas em paz?
Juliana – Se tivesse dado o meu dinheiro minha Senhora eu teria te deixado em paz!
Luísa – Se tu tivesse ido embora e esperasse que eu lhe desse o dinheiro ao invés de ficar dentro da minha casa me torturando tu terias o teu dinheiro, mas tu não conseguiste esperar três meses calada em silêncio!
Juliana – Eu esperei em silêncio. Até que Vossa Alteza chegou em casa furiosa porque o homem dela não estava esperado por ela no tal paraíso e começou a açoitar a negrinha aqui! Foi o máximo de destrato que eu podia suportar! Depois, minha tia me aconselhou a ficar na sua casa e explorar o medo que tu tinhas de mim e tirar o melhor partido que pudesse disso, foi o que eu fiz e não me arrependo, pelo menos o final da minha vida foi vivido com alguma dignidade! Num quarto de verdade, com roupas de verdade, comendo do bom e do melhor e sem ser escrava de ninguém!
Luísa – Só te faltaste um homem!
Juliana – A Senhora teve dois está pior do que eu! Sem falar que terminou seus dias me servindo! Torceste tanto pela minha morte, deves ter ficado muito feliz com ela, mas não esperava que o destino estivesse planejando o mesmo para ti! Não adiantou!
Luísa – Eu estou morrendo por sua causa.
Juliana – Eu também! Mandar Sebastião vir com um policial me assustar e me obrigar entregar as cartas! Achou que ia ser feliz e tá morrendo feito um cachorro! Eu pelo menos tive uma morte rápida! Quais são seus sentimentos em relação a isto? Eu morri imediatamente, teu homem tá com outra na França e tu sofrendo, sofrendo numa cama! Rasparam até o seu lindo cabelo! Por que será minha Senhora?! Eu pelo menos tive um final melhor que vocês traçavam para mim, me jogar na rua por causa do meu aneurisma e do problema do coração, que morresse num hospital se tivesse sorte, não era problema de vocês! Não podiam mais me explorar, que fosse para inferno! Mas morri rápido e passei meus últimos dias como sonhei. Tu terminaste os seus no inferno e Deus ainda foi cruel contigo, deixou-te acreditar que ia volta ao céu, mas te atitou de volta para o inferno! Quem será que deve ser o pior dos três?
Luísa – Esse sofrimento deve ser a minha chance de ir para o céu! Tu, com certeza, ireis para o inferno!
Juliana – Tu que eras tão boa, mas tão boa, que permitia que baús fossem mais bem tratados em tua casa que suas criadas! Baús que não têm sentimentos e nem saúde! Tu que a tua vida inteira só se preocupastes com futilidades! Tu que traíste o teu marido movida por fantasias de menina, quando já és faz tem uma mulher! Tu que tiveste de abandonar o meu corpo como seu fosse um animal sem me velar! O teu destino é o mesmo que o meu! É por isto que eu estou aqui! Anda! Prepara-te, vim te buscar! A tua hora chegou!
Luísa – Tu vieste me buscar?!
Juliana – O que esperavas! O Arcanjo Gabriel?  Ou a Virgem Maria! Anda, vem!
Luísa – Bem, se esse é o meu destino! Eu não ficar reclamando e resmungando como tu viveste a fazer! Vamos!
Juliana – Não queres saber para onde?
Luísa – Não! Vamos!

Luísa e Juliana saem.

(continua na parte 10/10)

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Marcelo Assis da Silva é Técnico de Finanças e Controle Externo e atua na Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas. Estudou roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro e montou e dirigiu o espetáculo “Swing Tântrico” também no Rio de Janeiro. “O Primo Basílio” é uma adaptação teatral do romance de Eça de Queiroz.

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