Luísa – Minha querida Luísa.
Seria longo explicar-te, como só antes de ontem em Nice, de onde cheguei esta
madrugada de Paris, recebi a tua carta que pelos carimbos vejo que percorreu
toda a Europa atrás de mim. Como já lá vão dois meses e meio que a escreveste,
imagino que te arranjaste com a mulher, e que não precisas do dinheiro. De
resto se por acaso o queres, manda o telegrama e o terá aí em dois dias. Vejo
pela tua carta que não acreditaste nunca que a minha partida fosse motivada por
negócios! És bem injusta. A minha partida não te devia ter tirado, como tu
dizes, todas as ilusões sobre o amor porque foi realmente quando saí de Lisboa
que percebi quanto te amava, e não há dia, acredita, em que não me lembre do
Paraíso... – pausa – Que boas
manhãs! Passaste por lá por acaso alguma outra vez? Lembras-te do nosso lanche?
Não tenho tempo para mais. Talvez em breve volte a Lisboa. Espero ver-te,
porque sem ti Lisboa é para mim um desterro. Meu deus, esperei tanto uma
resposta e quando chega, não preciso mais e nem o dinheiro ao menos. Só as
mesmas mentiras que já estava farta, penso que meu primo deve sofrer de alguma
doença mental que o leva mentir compulsivamente, mesmo quando era óbvio que a
única resposta que queria receber era os Malditos seiscentos mil-réis pelos
quais a Juliana me atormentava. O que eu recebo é um monte de mentiras! Mas
veja esse trecho: A minha partida, não te devia ter tirado, COMO TU DIZES,
TODAS AS ILUSÕES DO AMOR! Veja, eu já não amava mais, aliás, tinha tido a
confirmação que nunca tinha o meu Primo, sempre foi você que eu amei de
verdade!
Jorge – Esse Paraíso que ele
tanto fala? Voltastes lá como ele te pergunta?
Luísa – Nunca, e se voltasse lá,
só teria mais uma confirmação de que Basílio não significa mais nada para mim,
Me perdoa Jorge, seja bom comigo!
Jorge – E quanto a ti? Tu foste
boa comigo? O que foi que eu te fiz para que fizesse o que fez comigo? Eu te
adorava!
Luísa – Eu sei que errei Jorge,
mas estou pagando, pagando com a decepção com Basílio, com os tormentos de
Juliana, com a culpa e vergonha que sinto perante ti e tanto sofrimento que
este está roubando a minha energia vital, tu não percebes que eu estou
morrendo? Que preço maior posso pagar pelos meus erros do que com a minha
própria vida? E não lamento por isso! A única coisa que lamento é que o infame
que causou toda essa desgraça junto comigo esteja em Paris feliz, provavelmente
achando que li sua carta e acreditei em todas as suas mentiras e que
ansiosamente espero reencontrá-lo quando retornar a Lisboa, isso me dói mais do
que a morte!
Jorge – Luísa, por favor, não
fale em morte! Tu não vais morrer!
Luísa – Infelizmente vou! eu
sinto a minha vitalidade cada vez mais se extinguindo, como na ampulheta de meu
pai com a qual eu gostava de brinca na minha infância, não me resta muito tempo
agora, eu só peço que tu me perdoes.
Jorge - Escuta-me! Ouve, pelo
amor de Deus! Não estejas assim, fazes por melhorar! Não me deixe s neste
mundo, não tenho mais ninguém! Que te pede perdão sou eu! Diz que vais
continuar ao meu lado!
Luísa começa a chorar.
Luísa – A se eu pudesse...
Jorge – Mas tu podes!
Luísa – Eu sempre quis uma grande
prova de amor, achava que ela deveria chegar até mim como nos livros e agora só
às portas da morte, percebo o que é o amor e o que é se sentir amada realmente
por um homem.
Voz em off – Jorge, venha preciso
falar contigo. Não, não está morta, está naquela sonolência..., já te disse,
que ela não ouve, vem!
Jorge – Está bem, eu vou! - saindo
– Eu estou bem..., obrigado!
Luísa – Adeus amor!
Mudança de iluminação.
Luísa sente uma presença funesta se aproximando e começa se abraçar
como se quisesse se proteger.
Juliana entra.
Luísa – Só podia ser tu! O que
viestes fazer aqui? Terminar de atormentar? Achas que não foi o bastante tudo o
que me fizestes?
Juliana – O que lhe fiz eu minha
Senhora?
Luísa – Não sejas cínica! Tu
sabes tudo o que me fizestes!
Juliana – E tu piorrinha! Sabe tudo
o que me fizestes?
Luísa – Eu criatura? Eu nunca te
fiz nada!
Juliana – O seu primeiro ato de
vilania foi nunca ter gostado de mim, ou negas? Pensas que não te ouvi dizer ao
corno do seu marido: Estou a tomar ódio desta criatura! Não que isso fosse
necessário, porque você nunca disfarçou sua antipatia por mim, por isso eu
passei a detestá-la mais que qualquer outra Senhora que tive o desprazer, e
credite foi um desprazer servir todas elas, mas tu foste a pior!
Luísa – Eu? Realmente, não
gostava de ti, mas com justo motivo, tu sempre fostes muito antipática!
Juliana – Antipática? Porque não
vivia a sorrir para ti, ou porque não me tornei sua confidente? Porque deveria
ser simpática com a Senhora o quarto que disponibilizaste para que eu dormisse,
um cubículo, em sua casa era baixo, muito estreito, que no verão era abafado
feito um forno! A cama era um leito de ferro com um colchão de palha mole
coberto com uma colcha de chita. No jantar tu não me davas vinho e nem
sobremesa!
Luísa – E o que tu querias? Eu sei
muito bem, querias que te desse a vida de rainha que com suas chantagens
conseguiu arrancar de mim!
Juliana – Realmente, minha
Senhora, tu és tão boa, que tive que chantageá-la para conseguir algum
conforto! Tão boa que só não fui embora de sua casa, por três motivos: a Senhora
não tinha filhos, eu achava a rua saudável e por último, porque tinha a
estúpida daquela cozinheira nas mãos, podia por causa disso comer decentemente,
porque se fosse por sua causa, eu só comia sobras! Se não fosse por isso, eu te
diria aonde a Senhora podia enfiar sua casa...
Luísa – Primeiro, eu não tinha
culpa do quarto que tu dormias, o tal quarto já servia a este fim antes do meu
casamento.
Juliana – Mas, como a sua sogra
já havia morrido quando se mudaste para a casa, a senhora poderia mudar essas
coisas se quisesse, mas não quis....
Luísa – Não foi por maldade, eu
simplesmente nunca parei para pensar nisso, eu tinha mais com o que me ocupar!
Juliana – Com o quê? Qual a nova
moda de Paris? Ou o novo sucesso do teatro? O que a Senhora tinha de tão
importante para se ocupar que a levaste a negligenciar o bem estar de suas
criadas?
Luísa - O meu marido!
(continua na
parte 9/10)
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Marcelo Assis
da Silva é Técnico de Finanças e Controle Externo e atua na Secretaria de
Controle Externo de Aquisições Logísticas. Estudou roteiro na Escola de Cinema
Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro e montou e dirigiu o espetáculo “Swing Tântrico” também no
Rio de Janeiro. “O Primo Basílio” é uma adaptação teatral do romance de Eça de
Queiroz.
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