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AMOR
CANINO
* Texto de Marcos
Valério Benelux
A moça já esperara
uns dez minutos na recepção do pet shop. Até então, reclamara pelo que chamou
de desrespeito, pois que estava no horário marcado para entrega; agora mesmo criticara
a falta de planejamento, enfim, indispusera-se com todos os atendentes,
quando, por fim, o funcionário traz seu cachorro nos braços, devidamente
banhado, penteado, perfumado, e lhe diz à queima-roupa:
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- Seu cachorro não está com nada!
- Ora, seu atrevido! – gritou ela. - Está querendo se vingar só porque
falei o que devia falar? Pois saiba que isso é assédio moral. O pobrezinho
ouviu a ofensa e pode se deprimir.
- Calma! A senhora está muito exaltada!
- Senhora é a vovozinha, seu moleque! Eu só tenho vinte anos e nem
casada ainda sou.
- Pelo amor de deus! – clamou o atendente.
- Não me venha com apelação religiosa, pois eu não tenho nenhuma
religião.
– A senho... Você está fazendo confusão. Tenha pelo menos respeito com
os outros clientes.
- Confusão eu vou fazer se você não engolir o que acaba de falar do meu
cachorro – esbravejou. - Ora, onde já se viu! Eu reclamei porque vocês são um
bando de incompetentes. Quer revidar, revide em mim, não no cachorro que não
tem nada a ver com isso! É uma pobre criaturinha indefesa.
- Eu só transmiti o que me foi dito – assegurou o rapazinho. – Portador
não merece pancada.
- Então quem lhe mandou falar esse absurdo? – inquiriu a moça,
ameaçadora. – Quem quer que tenha sido, vai ter de pedir desculpas ao
pobrezinho do Virilha (esse era o nome do cãozinho).
- Me poupe, madam... cidadã! – estranhou o jovem – Por que e como
alguém vai pedir desculpas ao seu cachorro?
- Na língua dele, ora! latindo e balançando o rabo. E ai de vocês se
ele não aceitar o pedido de desculpas!
- A douto... Você só pode estar brincando!
- Brincando!? Eu!? Você não sabe com quem está falando, ô, rapazinho.
Vamos lá! Desembucha logo: quem falou esse absurdo do meu cãozinho Virilha?
- Foi o veterinário. A propósito, ele ainda está lá em cima.
- Ah! – respirou fundo a moça, com ar de vitória. – Essa eu não perco
por nada! Me chame imediatamente esse atrevido, que eu quero falar com ele. No
mínimo, uma ação judicial o aguarda.
O rapaz subiu, o veterinário voltou meio pálido, sem entender o que se
passava.
- Então foi o senhor que teve a coragem de comentar que meu cãozinho
não está com nada? – vociferou a jovem tomada de ira.
- Fui eu mesmo – falou calmamente o veterinário. – Passo aqui todos os
dias e vejo os cães. Examino se têm carrapato, ou pulga, ou alguma doença
aparente, que é para avisar aos donos. Vi que o seu cão está ótimo, que não
está com nada, aparentemente, que seja indício de alguma doença.
- Ah, então é isso! – suspirou a dona, aliviada. - Ainda bem! Esse outro
incompetente aí não me explicou direito – disse, por fim, retirando-se sem
jeito, levando embaixo do braço o cãozinho travesso que a lambia euforicamente,
alheio à confusão de que era motivo.
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Declaro, sob as penas da lei, que
sou auditor (do TCU), escritor (mediano), poeta (medíocre), católico e
ecologista (em ambos, não praticante), compositor musical (licenciado) e
artista plástico (bisonho). Nos últimos 35 anos, extremamente preocupado com os
meus deveres e completamente desatento com os meus direitos.
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