sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O outro mundo e o extrassensorial - crônica de Marcos VALÉRIO


O OUTRO MUNDO E O EXTRASSENSORIAL


Crédito autoral: ilustração obtida no site http://www.sitepx.com/blog/recursos?cat=recursos

Edson abriu os olhos, como que tornando de um breve sono ou passamento e se viu voando. Voando sim, que nem um pássaro. Não havia foguete, avião, ultraleve, asa delta, pára-quedas, para-pente ou qualquer outra modernidade conduzindo-o ao espaço infindo. Não estava também a bordo de nenhum balão, dirigível ou outro artefato dos vistos nos livros de história.
Não portava mesmo as rudimentares asas com que o lendário Ícaro tentara na lenda chegar ao sol. Seus braços estavam livres, seu corpo inteiro estava livre e voando no ar, em suave mas constante velocidade, sendo levado por uma energia motriz ascendente, desconhecida dele e dos livros científicos que lera durante a vida. Percebeu apenas que trajava uma roupa azul dos pés à cabeça.
Só podia estar sonhando. Apesar da incrível consciência que tinha dos arredores e de si mesmo, só podia ser isso. Tentou a velha técnica de beliscar o braço. Se doesse estava acordado; se não, estava mesmo sonhando. O incrível é que o beliscão não doeu nem deixou de doeu. Simplesmente, não conseguiu beliscar-se, pois a mão traspassou o braço como se ambos fossem feitos de uma substância gasosa. Procurou manter a calma, em meio a interrogações que o assaltavam.
Mais alguns poucos minutos e se viu chegando às nuvens mais altas. Lá havia várias pessoas com os mesmos trajes, cada qual entretida com uma espécie de painel eletrônico que liam à sua frente. Enxergou um espaço entre duas pessoas e logo reconheceu o seu painel. A primeira coisa que apareceu foi a cópia do email que mandara poucas horas antes para sua namorada, dizendo: “Patty, perdi o avião. Os voos estão todos lotados para os próximos dias. Não quero ficar esse feriado longe de você. Vou de carro. Te amo”. E logo uma resposta: “Adorei, amor, mas venha com cuidado, pois essa estrada é muito perigosa”. E a réplica: “Não se preocupe. Não passarei dos 120 km/h. rsrsrs”.
Nesse instante, resolveu olhar de lado e viu que o vizinho tinha em sua tela a notícia de um grave acidente automobilístico ocorrido naquela tarde, próximo à cidade onde morava sua namorada. Quase teve um enfarte quando reconheceu, na foto do veículo acidentado, a placa do seu carro. É claro que enfarte naquela hora faria pouca diferença, pois concluiu que já estava morto.
Agora recordava tudo com clareza. Numa das curvas fechadas, por excesso de confiança e ousadia, sobrara e caíra no abismo. Milhares de lembranças vieram à sua mente. Como se sentiriam agora seus pais, seus irmãos, sua namorada, os colegas do trabalho e da igreja, a turma da pelada semanal?  Estariam muito abatidos, desconsolados?
Como saber?  Pensou voar de volta a terra e dar uma olhadela no próprio enterro. Não conseguiu. Uma força estranha parecia agora detê-lo na nuvem, permitindo-lhe dar poucos passos em cada direção.
Talvez aparecesse alguém da hierarquia celestial que pudesse lhe dar essa permissão. Teve a certeza de que apareceria alguém, como se estivesse agora possuído da capacidade de prever o futuro. Era só esperar e cumprir uma sequência que lhe estava determinada.    
Enquanto aguardava, voltou a mirar sua tela, resignadamente. Leu centenas dos emails que trocara nos últimos tempos com todo mundo. Depois acessou uma pasta de Windows Media Play. Estaria ali o tal filme da vida, que dizem ser exibido a todos que passam dessa dimensão para a outra? Talvez, mas na verdade assistiu apenas a filmes de curta duração, com os amigos no churrasco, das habituais viagens de férias ou simplesmente de algum espetáculo que assistira em vida.
Por curiosidade, acessou um álbum de fotografias, onde se viu ao lado de muitos entes queridos, em momentos especiais. Mexeu depois na pasta do PowerPoint e reviu outras tantas mensagens recebidas e enviadas. Por fim, vasculhou no bloco do Word vários arquivos de poemas e textos por ele produzidos. Antes de entrar em outros aplicativos desconhecidos, notou a presença de um anjo ao lado e lhe perguntou:
- Amigo, será que eu poderia dar um pulinho na terra para ver como estão meus familiares, meus amigos, minha namorada?
- Permissão negada – disse firme. – É um ambiente de muita dor. Não lhe faria bem.
- O que eu vou fazer aqui?
- O mesmo que já está fazendo: abrindo emails, ouvindo músicas, lendo mensagens e textos, revendo filmes e fotografias dos entes queridos, acompanhando notícias da terra pelos jornais e revistas dos quais tenha assinatura, rindo com piadas ou concluindo algum projeto inacabado. Se cansar, podemos transferi-lo para outro local de repouso eterno, onde se dorme o tempo que se quiser.
- Não, não quero dormir – assegurou Edson. - Só me tire uma dúvida: como vocês conseguiram todo esse acervo de informações?
- Não conseguimos nada – confessou o anjo. – Vocês na terra é que começaram com essa mania de salvar seus arquivos nas nuvens. Eles estão todos aqui à sua disposição – garantiu o amigo celestial, flutuando para o outro lado.    
- Todos mesmos? – indagou Edson, preocupado, lembrando de alguns filminhos pornôs que diversos amigos lhe mandaram e que ele, inadvertidamente, também armazenara nas nuvens.
- Não todos – garantiu o anjo, conhecendo o que ele indagava. – Esses vídeos que você pensou estão bloqueados em nossos computadores. Só estão liberados naquela nuvem negra ali do lado – disse-lhe, apontando-lhe com a extremidade do nariz.
Edson olhou de soslaio e percebeu a tal nuvem, de onde podia ouvir e ver sons e imagens de uma euforia bizarra. 
- Quando a maioria dos arquivos salvos tem essa natureza, mandamos o dono para aquele lado. Você escapou por pouco – explicou o ser alado, após breve pausa. – Pelos cálculos do nosso departamento estatístico, um pouco mais da metade de seus arquivos salvos nas nuvens eram aproveitáveis. O restante era lixo impróprio para esse ambiente.
- Ufa! – suspirou mentalmente, sentindo-se aliviado.
- Sua interjeição de alívio faz todo sentido – concluiu o anjo, lendo-lhe os pensamentos.  



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Declaro, sob as penas da lei, que sou auditor (do TCU), escritor (mediano), poeta (medíocre), católico e ecologista (em ambos, não praticante), compositor musical (licenciado) e artista plástico (bisonho). Nos últimos 35 anos, extremamente preocupado com os meus deveres e completamente desatento com os meus direitos.

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