quarta-feira, 3 de junho de 2015

Memórias de um Limpador de Praias (I) - Crônica de Marcos VALÉRIO


Há cinco atrás, veraneei pela primeira vez com a família em Tabatinga, de onde veio o aprendizado que ora compartilho. Imagino que as mesmas cenas se repitam nos outros nove mil quilômetros restantes da costa brasileira. A Barra de Tabatinga, como outros presentes que a natureza deu ao Rio Grande do Norte, é um pedaço de mar, com piscinas naturais, mornas e cristalinas, e paisagem fascinante. No primeiro contato, choquei-me, ao ver tanto lixo espalhado pela areia, ante o olhar complacente de todos.
Surgiu então a ideia de fazer um mutirão de limpeza. E parti com meus filhos para arregimentar frequentadores. Os motivos dados para não participar do mutirão foram muitos. Uns justificaram que usavam pouco a praia; que estavam apenas veraneando. Outros alegaram problema de coluna, apesar de toda a elasticidade demonstrada ao caminhar. Alguns falaram que não eram garis; que aquilo era dever da Prefeitura; que não iriam limpar a sujeira dos outros.
Algumas pessoas de bem, como o astrofísico Renan Medeiros, o poeta Marcelo Castro, alguns rotarianos, e suas famílias, aderiram ao movimento. Ação planejada, começamos a limpeza, com cerca de vinte voluntários. Uma senhora de quase oitenta anos me emocionou ao juntar-se ao grupo.
Durante a tarefa, havia os que apressavam o passo, fingiam não ouvir os chamados, e os que, de varandas confortáveis, degustavam geladas cervejas com os amigos e nos olhavam, ora com a aquela cara de “quem não tem nada com isso”, ora com expressão de deboche. Nessas horas de estupidez explícita, lembrava-me da frase de Jesus: “Perdoa-os, pois eles não sabem o que fazem”.   
Os lixos encontrados foram os mais variados: de embalagens de picolé a sacos de farofa; de garrafas pet, a frascos de protetor, latas e garrafas. Recolhemos ainda apetrechos de pesca e canudos. Entre os lixos exóticos, preservativos, braço de boneca inflável, fraldas descartáveis, absorventes femininos, tampinhas e uma infinidade de outras “milacrias” descartadas pela ausência de consciência e, principalmente, de inteligência! Dentre os lixos menos ofensivos, estavam os palitos de picolé e os cascos de coco verde.      
Aquele nosso primeiro mutirão na Praia de Tabatinga recolheu 90 sacos de 100 litros, cheios de lixo jogado na areia por mamulengos humanos, levando à morte o planeta onde vivem, e retransmitindo o mesmo comportamento aos seus filhos, sobrinhos e netos.
No dia seguinte, fomos caminhar na praia e vimos que o ciclo se reiniciava, com a mesma estupidez de antes, havendo à beira-mar, na mesma área da coleta anterior, lixo suficiente para encher pelo menos mais um saco dos que nós usamos na véspera. Nos anos subsequentes, tenho voltado ao mesmo lugar. E constato que a situação persiste. Temos repetido a operação, lá e em outras praias. Mas vemos que os marginais ambientais – não há outro adjetivo que os defina – têm deixado suas marcas em todos os cantos, de maneira incansável, colocando à prova a persistência do bem, na constante luta contra o mal. 

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Declaro, sob as penas da lei, que sou auditor (do TCU), escritor (mediano), poeta (medíocre), católico e ecologista (em ambos, não praticante), compositor musical (licenciado) e artista plástico (bisonho). Nos últimos 35 anos, extremamente preocupado com os meus deveres e completamente desatento com os meus direitos.





                                                                                               

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