Rebelião no Céu
Já fazia alguns dias que São
Pedro ouvia burburinhos de descontentamento dos moradores do
céu, porém nunca quis levar isso ao conhecimento de Deus. Mas
tem coisas que não adianta tentar esconder, porque chega um momento que elas
vêm à tona, não tem jeito! Ao meio dia, Pedro encontrava-se sentado na guarita
da portaria, puxando uma pestana, quando escutou uma gritaria infernal.
Levantou-se, ainda meio sonolento e atordoado, correu até o pátio, onde se
deparou com uns humanos e outros animais promovendo um ato de
protesto. Ele pediu calma e silêncio à turma e perguntou o que estava havendo.
Uma comissão se dirigiu ao Santo, entregou-lhe uma pauta de reivindicações e
exigiu que a levasse a Deus, imediatamente.
Percebendo a gravidade da situação, São Pedro
pôs o documento debaixo do braço e foi atrás do Chefe. Quando chegou à porta
do Gabinete, deu três batidinhas breves e, sem esperar
autorização, girou a maçaneta e adentrou. Deus estava deitado na
poltrona de visitas tirando o seu sagrado soninho da tarde. Pedro caminhou em
sua direção e, propositadamente, esbarrou na lixeira para fazê-lo acordar.
Deus levantou a cabeça, esfregou os olhos e bocejando repreendeu - Pedro, eu
não já te falei pra tu não me importunar na hora da minha sesta!? Perdão –
respondeu o Santo - só estou agindo assim porque a situação exige
urgência, há um princípio de tumulto provocado por um bando de animais
descontente, que poderá tomar proporções incontroláveis.
Deus, ainda com a cara inchada de
sono, questionou qual era a queixa da galera. Pedro elencou o rol de
reclamações: a rotina, o entediante silêncio, a fadiga da mesmice, a falta de
lazer. Não podem ouvir músicas, bater um papinho com o vizinho, entrar no
Facebook, jogar, de jeito nenhum! Nem mesmo uma simples “peladinha” é
permitida. Reclamam também da ausência de uma política de ascensão e
alternância de posições e que a falta de expectativa de ocupar um cargo de
direção da casa, ou pelo menos mudar de posto, os deixam desanimados,
desmotivados e extremamente abatidos. E tem mais e pior, completou
São Pedro - eles lamentam não poderem se suicidar para escapar daquela
letargia insuportável.
O Leão esbraveja o tempo inteiro que não
aguenta mais ficar passando as patas, suavemente, na cabeça de
uma ovelhinha, que não para de berrar em seus ouvidos, só para figurar nas
capas de catecismos como garoto propaganda da paz celestial. Alegou que
está cansado de estampar uma falsa carinha de amigo e
encenar gestos de amor e carinho. Irritado, disse que a qualquer
momento vai estrangular e devorar a sua impertinente coadjuvante.
O Noé, o da barca. O Senhor está lembrado
dele? - perguntou Pedro. Deus ficou por alguns instantes vasculhando a memória
para localizá-lo e respondeu acenando afirmativamente com a cabeça, mas sem
muita convicção. Disse, em tom de pergunta - é aquele que chegou aqui, um dia
desses do planeta terra, com o peito inflado de orgulho, contando, com
grande estardalhaço, que havia salvado uma bicharada de um alagamentozinho que
aconteceu por lá? - Esse mesmo, respondeu. - E quais são as suas
lamúrias? - questionou Deus. - Faz coro com os demais, no entanto, o que
mais lhe chateia é a falta de revezamento de posições dos lugares.
Aos berros e gesticulando uma barbaridade alega, com palavras impróprias para o
ambiente santificado, que tá com a bunda em carne viva e doendo pra caralho,
por está sentado, na mesma posição, numa nuvenzinha espessa e desconfortável
desde que chegou nessa joça. Não se cansa de falar que a
iniciativa e coragem que teve para salvar uma penca de animais do afogamento
fez subir o índice da popularidade do Senhor, que, segundo ele,
encontrava-se baixíssima naquele planeta. Inconformado, reivindica um
tratamento diferenciado com a alegação de que, pelo seu
heroísmo, merece um lugar de destaque, ou pelo menos mais aconchegante.
Anda tão nervoso, que vire e mexe chama o Senhor de injusto. Além disso,
manifesta um forte sentimento de arrependimento. Resmunga que se soubesse
que iria receber como recompensa somente aquela nuvenzinha merreca, teria
deixado todo mundo se foder.
Deus ordenou a Pedro que dissesse aos
rebeldizinhos que daqui a cem bilhões de anos vai começar a pensar se aquelas
reivindicações tem algum fundamento e alertou: - não esqueça de
lembrá-los de que esse tempo, comparado com a eternidade, é como se fosse
um segundinho. Dito isso, Deus virou-se pro lado, para concluir o soninho
interrompido.
Pedro saiu meio desolado do Gabinete, quando
chegou ao Pátio foi recebido com olhares furiosos dos rebelados e uma pergunta
uníssona: E aí...o que chefe disse? Pedro falou: Daqui um segundinho Deus
vai atendê-los!
A bicharada pulou de alegria e, em coro,
gritaram: ei, ei, ei São Pedro é nosso rei.
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Waucilon Carvalho Sousa ingressou no TCU em 1981, atualmente
trabalha no ISC. Alfabetizador voluntário de jovens e adultos desde 1975.
Fundador da escolinha de alfabetização do Tribunal.
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