Luísa entra toda desgrenhada com
uma camisola do final do Século XIX.
Luisa – O que está ocorrendo?
Porque eu não estou na minha cama? Felizmente,
eu não sinto mais do e os meus cabelos não estão mais raspados! Será que eu me
recuperei? Onde estão todos? Jorge! Jorge, Onde está você meu amor?!
Vozes em off.
Mulher – Jorge, não se assuste,
mas seria bom pensar nos sacramentos...
Jorge – Os sacramentos!
Homem – Nada de tolices! Qual
sacramentos! Para quê? Ela nem ouve, nem compreende, nem sente. É necessário
deitar-lhe outro cáustico, talvez ventosas!
Isso que são os sacramentos!
Luísa – Não podes estar mais
enganado meu amigo! Eu ouço, vejo e o pior de tudo..., sinto! O que se passa
comigo? Será que estou sonhando, ou delirando? Ou será que estou...
Leopoldina entra.
Luísa – Leopoldina, tu sabes, que
apesar de te adorar, eu não posso te receber em casa!
Leopoldina – E tu sempre muito
apaixonada pelo seu marido? Fazes bem Luísa, mas vá lá uma mulher prender-se a
um homem como o meu?
Luísa – Falando nisso, como vai o
seu marido?
Leopoldina – Como sempre, pouco
divertido – rindo – Sabes que acabei
com o Mendonça?
Luísa - Verdade?
Leopoldina – O que eu posso
dizer? Eu me enganei...
Luísa – Como sempre ... – rindo
Leopoldina – O que eu posso
fazer? A cada vez imagino que vai ser uma paixão, mas sempre é o mesmo fim: uma
maçada! Mas um dia acerto!
Luísa – Vê se acertas mesmo! Já é
tempo! Sabe que ás vezes, eu te acho muito indecente e que Jorge está certo e
não te querer aqui em casa, mas... – dando
uma volta em torno de Leopoldina - admiro tanto a beleza do seu corpo – começa a tocar o corpo de Leopoldina como
se fosse uma obra de arte – é quase uma atração física! Um corpo de uma
Vênus! Tu és a mais bem feita de Lisboa! Uma Mulher como tu, não podes sofrer
nas mãos de um idiota! Tu deves mesmo ir atrás da paixão! Paixão, essa palavra
faiscante e misteriosa, de onde a felicidade escorre como a água de uma taça
muito cheia! Tu és livre como eu gostaria de ser! Mas voltando ao Mendonça, o
sebento do Mendonça dos Calos, como se refere a ele, horrorizado por tua coragem
de ter-se deitado com essa criatura, o meu marido, Mas o que foi que o Mendonça
te fez?
Leopoldina – Entediou-me de uma
forma que não o suporto mais! O ponto final foi uma carta tão ridícula, devo
tê-la comigo...
Leopoldina começa a procurar na sua bolsa.
Leopoldina - O programa do circo! Uma maravilha, a
melhor delas, um trapezista, lindo, benfeito, uma perfeição!
Luísa – Tu não perdes tempo! – rindo
Leopoldina – Não perco mesmo,
tenho tanto para te contar!
Luísa dá uma grande gargalhada.
Leopoldina - Não rias! Desta vez
é sério!
Luísa – Desculpe..., mas quem é o
novo felizardo!
Leopoldina – Um rapaz alto,
louro, lindo! E que talento! Um poeta!
Luísa – Espero que este te faça
mesmo feliz!
Leopoldina – Amém! Então o seu
primo Basílio chega.
Luísa – Assim li hoje no Diário
de Notícias. Fiquei pasmada!
Leopoldina – Tu eras tão
apaixonada por ele, não restou nada desta paixão?
Luísa – É claro que não! Eu amo o
meu marido! Não infeliz como tu!
Leopoldina – Sabes que nem ciúmes
dos meus casos tem o bruto!
Luísa – Já o Jorge, quando seu
primo, aquele que é escritor, disse que na sua próxima peça, ia fazer um marido
perdoar a esposa infiel, quase deu-lhe uma surra, achando que era uma vergonha,
que a única coisa digna que um marido pode fazer nessas circunstâncias é matar
a esposa! Imaginas se fostes casadas com ele?
Leopoldina – Se não estivesse
morta, estaria em breve, porque não resistiria ao teu primo! Pelo menos, não se
ele continuar tão lindo! E como era elegante e sedutor! Ele, o Jorge nunca
poderia chamar de sebento!
Luísa – Ele veio à Lisboa a
negócios, eu não acredito que esteja entre seus planos procurar primas,
principalmente as casadas!
Leopoldina – Desde quando isso
seria um problema para mim! Eu iria até ele! E duvido que não conseguisse fazer
a chama do nosso amor reacender!
Luísa – E o teu poeta? – rindo
Leopoldina – É tens razão! Se
bem, que Basílio também é uma artista, que voz linda de barítono!
Luísa – Isso é verdade, mas pare
de me tentar com o passado!
Leopoldina – Eu não sabia que
estava te tentando!
Luísa – O passado deve ser
esquecido! Principalmente quando não tem mais lugar na nossa vida! Eu fiz uma
escolha e tenho uma vida que surgiu dessa escolha e com essa vida que me ocupo!
Nela não há lugar para Basílio.
Mudança de iluminação.
Luísa – Brasílio é um cretino!
Hoje quando fui encontrá-lo no Paraíso encontrei um primo do meu marido, disse
que era muito arriscado tantas visitas que era melhor vir menos! Sabe o ele
fez? Disse, quase com desprezo, que não viesse então! Ele não se importa
comigo! Como minha reputação, com minha saúde! O nosso amor se transformou numa
grande maçada como os seus casos! Onde está o defeito! Nós temos tudo para uma
felicidade excepcional: somos novos, estamos cercados de mistérios, as
dificuldades nos excitam, mas estamos quase a bocejar um como o outro!
Leopoldina- Talvez a dificuldade
esteja no próprio amor! Só os começos são bons! Há então um delírio, um entusiasmo, um bocadinho de
céu, mas depois...! É necessário sempre recomeçar para sentir! Porque você acha
que tenho tantos amantes?
Luísa – Mas um beijo de Jorge
ainda me perturba e vivemos juntos há três anos! Já Basílio, de quem me tornei
amante faz apenas 5 semanas, diz que sou
uma tola porque querer romance e paixão, que já temos intimidades demais para
isso!
Leopoldina – Mas tu ainda o amas?
Se ele quisesse te levar para Franca com ele tu irias? Se por alguma desgraça
enviuvasse e tivesse a oportunidade, tu se casarias com ele?
Luísa – Não!
Leopoldina – então, porque ainda
estás com ele?
Luísa – Não sei, como não sei o
que me levou até ele! Terá sido a solidão por causa da ausência de Jorge
mesclada ao tédio de não ter nada para fazer? Ou uma curiosidade mórbida e
fantasiosa de ter um amante? Ou atração física? Ou apenas por vaidade feminina?
Só sei, que não senti a felicidade, que os romances e as óperas tanto apregoam
aos amores ilegítimos, que faz com os amantes esqueçam tudo na vida e enfrentem
tudo, afrontem até a morte! Não chegou nem perto.
Leopoldina ri.
Luísa – Tu estás rindo da minha
desgraça!
Leopoldina – Não sejas boba!
Estou rindo de mim mesma! Mas pretendes continuar com ele?
Luísa – eu não sei, sabe o que
Basílio se tornou para mim? Um marido pouco amado, que ia amar fora de casa!
Vale a pena?
Leopoldina – Meus Deus criatura!
No seu lugar já tinha terminado!
Mudança de iluminação.
Leopoldina – Quer dizer que
voltastes para ele?
Luísa – Eu cheguei disposta a
terminar tudo! Mas quando o vi tão suplicante! E quando ele me perguntou se era
pra sempre e nunca mais, quando ouvi nunca mais, fui tomada de uma comoção e
comecei a ter uma saudade de tudo o que tínhamos vivido e tive uma crise de
choro!
Leopoldina – Quer dizer, Luísa,
que ele conseguiu te engabelar outra vez!
Luísa – Não fales assim, Leopoldina!
Leopoldina – Tu sabes que é
verdade o que te digo! Minha amiga, um romance é um navio, quando sentimos que
está naufragando, o melhor que temos que fazer é abandoná-lo, ao invés de nos
apegarmos ao desejo infantil que este não afunde, mas algumas pessoas precisam
afundar com o navio para entender que não há mais jeito! Esse deve ser o seu
caso!
Luísa – Este navio não está
afundando! Nós nos amamos como nunca!
(continua na parte 2/10)
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Marcelo Assis da Silva é Técnico de Finanças e Controle
Externo e atua na Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas.
Estudou roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro e montou e
dirigiu o espetáculo “Swing
Tântrico” também no Rio de Janeiro. “O Primo Basílio” é uma adaptação teatral
do romance de Eça de Queiroz.
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